segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A arte sob controle de Deus.


Durante aproximadamente 2 anos, eu e um amigo organizamos e realizamos um evento bimestral de música instrumental na Igreja Batista do Marapé chamado "Marapé & Cia em Acordes", buscando incentivar a produção artística da igreja local e trazer para o contexto da igreja pessoas que normalmente não iriam há um "culto normal".

Infelizmente o evento acabou há um bom tempo, mas os jovens da Igreja Batista da Ponta da Praia retomaram a idéia e montaram no último fim de semana de julho o "Ponta da Praia & Cia em Acordes", retomando a proposta de mostrar a música instrumental cristã. Para esse evento, tive o privilégio de trazer uma mensagem sobre "A arte sob o controle de Deus".

Segue abaixo uma adaptação da mensagem que compartilhei no dia.


A música e a arte na igreja têm sido, historicamente, um assunto em que existe muita confusão e pré-conceitos. Especialmente nos dias de hoje, onde essa confusão é potencializada pela existência da mídia e da indústria fonográfica, que transformam a arte em um produto comercializado.

Além de confuso, a arte cristã têm sido irrelevante para a formação intelectual e cultural de nossa sociedade, devido à falta de profundidade e de qualidade de nossas produções, de forma geral.

No livro "Viciados em Mediocridade", de Frank Schaeffer, a introdução começa parafraseando P.G.Wodehouse dizendo:

"Sempre que cristãos, evangélicos em particular, tentaram alcançar o mundo por meio da mídia - TV, Filmes, Propagandas etc (arte) - o público que pensa tem a idéia de que, assim como a sopa de um restaurante ruim, o cérebro dos cristãos ficaria melhor se não fosse mexido."

Apesar de duro, essa é a percepção de boa parte das pessoas não cristãs têm sobre nossa produção artística.

Boa parte dessa confusão e falta de conteúdo que observamos na produção de arte cristã se dá ao fato que não evoluímos nosso entendimento bíblico no mesmo compasso que evoluímos nosso entendimento nas demais áreas de nossa vida, levando-nos a uma visão distorcida sobre diversos pontos de nossa vida e, consequentemente, sobre a arte de um ponto de vista espiritual.

Infelizmente, boa parte das pessoas na igreja de hoje faz separação no seu entendimento sobre as áreas da sua vida e de seu entendimento de mundo entre "coisas espirituais e coisas materiais". Muitos entendem que Deus se manifesta nos momentos e nos assuntos espirituais de nossa vida, como orar, ler bíblia, estar no culto aos domingos etc, e que os assuntos como a economia, política, o convívio em sociedade, e também a cultura e a arte não têm relação com princípios espirituais, e não são regidos pelo entendimento bíblico.

Essa separação é fundamentada pelo pensamento "acadêmico" pós-moderno de que o estudo de "humanas", como a arte, a economia e a política, são subprodutos do razão humana. Nós que criamos a arte, a economia, a política etc e, portanto, não existem princípios espirituais sobre elas.

Pensando desse modo, vivemos no mesmo universo que o ateu e que o incrédulo. Vivemos em um mundo desencantado, como disse o pai da sociologia Max Weber. Francis Shaeffer descreve esse mundo como um mundo opaco, vazio e sem sentido. O pensamento pós-moderno tira qualquer significado espiritual sobre o que acontece no mundo a nosso redor, e o cristão, nos cultos de domingos, dá um salto cruzando a "linha do desespero", e vive então um momento transcendental de espiritualidade e de sentimentalismo, e após o culto volta para a realidade, que é vazia de significado espiritual,  seguindo a semana lidando com as áreas de sua vida "do mundo".

No entanto, esse entendimento não é o entendimento que a bíblia nos revela. A bíblia não faz separação entre áreas santas e profanas, e isso inclui a arte. Aliás, Passeando pelos textos bíblicos, descobrimos que Deus tem um interesse especial pela arte. Podemos ver isso desde a observação da natureza, até à construção do templo de Salomão, construído por instrução divina. Recomendo a leitura do livro "A Arte e a Bíblia", de Francis Scheaffer, para se aprofundar nesse assunto.

Um ponto central para entendermos a nossa arte e a nossa cultura sob o controle de Deus, é que elas foram redimidas juntamente com nossa vida em Cristo Jesus. Cristo é o centro de convergência de todas as áreas de nossa vida.

Observemos o texto de Colossenses, capítulo 1, versos 19 e 20:

"Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude,  (v.19)
e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão no céu, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz. (v.20)"

Gostaria de destacar duas palavras chaves nesse texto:

reconsiliasse: ἀποκαταλλάσσω (apokatallassō) - Totalmente Reconciliado
todas: πᾶς (pas) - tudo, inteiro, completo

Ou a salvação em Cristo Jesus é completa, ou não vale nada, ou Cristo nos salvou por inteiro, ou não salvou. Isso significa que quem eu sou, minha personalidade e minha cultura foram salvas comigo, e devem agora, a partir d'Ele, glorificá-lo. Não existem atividades mais ou menos santas, momentos mais ou menos espirituais, Todas as áreas de nossas vidas devem ser regidas por princípios espirituais e glorifica-lo. "Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém." (Romanos 11:36).

Isso quer dizer que para quem foi reconciliado com Deus por meio de Cristo Jesus não existe música cristã, ou música não cristã, arte santa, ou arte profona. Precisamos nos libertar da religiosidade ritualística, que prega apenas o "pode/não pode", o "politicamente correto" de um molde de "crente perfeito", que quer demonstrar santidade no exterior, mas tem o coração longe dos valores divinos. Devemos nos centrar nos valores divinos que devem reger nossa vida, e por consequência, nossa arte.

Portanto, uma arte que está "sob controle de Deus" não é aquela que apenas se comunica verticalmente com Deus, mas àquela que fala à partir de Deus sobre todas as coisas. A partir do momento que meu entendimento sobre o mundo é redimido em Cristo Jesus, eu preciso olhar para o mundo e enxergar que o mesmo Deus revelado na bíblia se revela nas coisas mais comuns e ordinárias de nossa vida, e fazer com que as demais pessoas consigam enxergar isso. 

Cristo fez isso. ("olhai os lírios dos campos...", "olhai as aves do céu..."). A glória e a graça de Deus já estavam reveladas no mundo antes da obra justificatória de Cristo, mas o homem, por seu pecado, teve sua visão "escurecida" e não enxergou isso.

"Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos.
Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite.
Não há linguagem nem fala onde não se ouça a sua voz.
A sua linha se estende por toda a terra, e as suas palavras até ao fim do mundo. " (Salmos 19:1-4)

"Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.
Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis;
Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu." (Romanos 1:19-21)

Nós, artistas, precisamos ensinar às pessoas a enxergarem Deus nos pontos mais comuns de nosso cotidiano, e mostrar os princípios divinos por traz de cada ponto de nossa vida. Precisamos cantar e tocar sobre a natureza, sobre a política, sobre a economia, sobre a ciência, sobre os relacionamentos, sobre a sociedade, enfim, sobre todas as coisas, mostrando a verdade bíblica que rege esses pontos. Não é preciso cantar  "Jesus, Cruz e Luz" para fazer uma música cristã, mas demonstrar que "beleza, bondade e verdade" caminham juntos, e que existe verdade no que representamos com beleza.

No campo da música cantada, existem pessoas que estão fazendo isso, como Gladir Cabral, Tiago Vianna, Crombie, Arlindo Lima, Jorge Camargo (no CD "Tudo que é bonito de se viver") etc, mas precisamos de mais pessoas em todos os campos da arte. No caso da música instrumental, J.S.Bach disse que "É na combinação de unidade-diversidade, e no enriquecimento dessa combinação que você responde à ordem do mundo". Talvez essa seja uma dica de um caminho para expressar nossa cosmovisão cristã através da música instrumental.

Para concluir, gostaria de reforçar a ideia que a nossa arte não precisa ser expressamente funcional e eclesiástica, mas se ela está sob o controle de Deus, ela precisa refletir os valores de Cristo, e fazer com que as pessoas enxerguem esses valores nas coisas mais comuns de sua vida.

Fontes e recomendações de leitura:

Livros

- "A Arte Não Precisa de Justuficativa" (H. R. Rookmaaker) - Editora Ultimato
- "A Arte E A Bíblia" (Francis Sheaffer) - Editora Ultimato
- "Viciados Em Mediocridade" (Frank Scheaffer) - Editora W4
- "Cristianismo Criativo?" (Steve Turner) - Editora W4
- "Vida e Música" (Org. por Thatiane Pellissier) - Editora Descoberta

Vídeos:

"Por que valorizar o Musico Cristão Brasileiro de Qualidade? por Guilherme de Carvalho - parte 1"
http://www.youtube.com/watch?v=bL6lal02-rE&feature=plcp

"Por que valorizar o Musico Cristão Brasileiro de Qualidade? por Guilherme de Carvalho - parte 2"
http://www.youtube.com/watch?v=Snu_JLYiiLM&feature=plcp

"A Música Cristã Em Um Mundo Desencantado" (Guilherme de Carvalho) - gravado em DVD no "Nossa Música Brasileira" em 2011.

4 comentários:

  1. Show de bola Renan! Continue assim e não desanime. Infelizmente dentro da igreja, todo mundo esquece q foi Deus q nos deu nosso cérebro, e q assim como os nossos Dons e Talentos, o mesmo deve ser usado, e não enterrado com medo de se perder (por desuso, infelizmente).

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    1. Obrigado pelo incentivo Gus. De fato, parece haver uma falta de coerência, bom senso e reflexão nas igrejas de hoje.... o João Alexandre sempre cita que nosso teologia moderno é um oceano de largura mas com poucos centímetros de profundidade... e isso não é só no neo-pentecostalismo (que já é sem sentido por natureza), mas as igrejas históricas estão se perdendo.....
      A coisa está feia, mas precisamos fazer nossa parte em trazer a discussão (no bom sentido), a reflexão, e propagar o que é bom!

      Abraços

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  2. Muito rica a mensagem Renan! É importante notarmos que está mais do óbvio no conteúdo deste artigo que, na vida de um cristão TUDO se discerne espiritualmente.

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    1. Valew Flávio. De fato, tudo se discerne espiritualmente... às vezes é difícil aplicar isso no dia a dia, mas é o que a bíblia nos mostra!

      Abraços

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